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NOVOS RUMOS À CRENOLOGIA

crenologia

Da revista “Fontes da Vida” ed. Julho de 1962
Dr. Lysandro C. Guimarães

O Estudo da Crenologia, apesar do cepticismo de uns e incredulidade de outros, ocupa um lugar de destaque na terapêutica de diversas enfermidades.
Embora em nosso país não dediquemos o devido apreço a esse problema, outros países empenham-se no desenvolvimento e aprimoramento de suas estâncias, não só administrativamente, mas também procurando elevar cada vez mais essa modalidade de cura de acordo com as conquistas cientificas de cada época. Não obstante, o nosso patrimônio hidro-mineral é imenso e digno de melhor carinho. Tem sido feito alguma cousa é verdade, mas a custa de grandes sacrifícios que sempre esbarram com a incompreensão. Possuímos variados tipos de águas que constituiriam motivo de orgulho aos próprios países europeus, detentores através de centenas de anos da dianteira do hidro-climatismo mundial.
É certo que algumas de nossas estâncias foram beneficiadas de algum modo, mas esses benefícios não correspondem à grandiosidade da maravilhosa natureza, tão pródiga para com a nossa Pátria. Essa prodigalidade, essa magnífica dádiva de Deus, constitui não somente uma fonte extraordinária de saúde como também um manancial de possibilidades econômicas de alto e significativo valor.
Baseando-se essa riqueza em elementos de cura para variados males é lógico e natural que precisemos, antes de tudo, de uma melhor compreensão e um maior apoio da nossa própria classe, a classe médica a quem deveria competir, prestigiar e encorajar os estudos crenológicos como uma verdadeira disciplina cientifica.
A incredulidade da maioria dos médicos brasileiros tem sido a nossa maior barreira em contraposição à credulidade popular que, através de todas as épocas, tem sido o fator de estimulo do desenvolvimento de nossas estâncias como cidades de cura.
Nos países europeus a classe médica é a vanguardeira desses estudos que constituem assunto de real interesse em todas as universidades. Nós pelo contrario, somos caudatários remotos dessas conquistas e por isso mesmo não podemos apresentar trabalhos a altura das modernas descobertas cientificas; contudo essa carência de estudos e pesquisas só poderá ser sanada no dia em que os médicos brasileiros volverem seus olhos para esses problemas, apoiando e incentivando a crenologia como matéria médica, e não como uma vulgar panacéa ou mesmo “perfumaria”, no dizer de um acatado e conceituado professor da Faculdade de medicina de Belo Horizonte, quando exercia temporariamente elevadas funções administrativas no estado.
Fatos como este desestimulam os poucos crenológicos brasileiro ansiosos pelo apoio e compreensão de seus colegas O apelo que fazemos é para que nos ajudem nesta campanha de erguimento da crenologia nacional, a fim de que, um dia possamos corresponder com nosso esforço às bênçãos de Deus e proporcionar à classe médica melhores elementos de convicção científica.
Não menosprezemos de boa fé uma terapêutica acusando-a de empírica. Empíricos e tradicionalmente empíricos existem numerosos remédios usados por todos nós diariamente em nossa clínica, e, nem por isso os abandonamos. Não será de uso clássico e de eficácia reconhecida a medicação iodada no tratamento da arteriosclerose?
O empirismo tem sido através dos tempos um bom elemento cooperador e seri melhor observa-lo, estudá-lo aproveitando o que dele resulta de útil. Devido a esse estado de coisas ficamos num impasse: não acreditam nas curas hidro-minerais porque não oferecemos provas experimentais e se não temos provas experimentais é porque, nós mesmos, não nos dispomos a procurá-las.
Não podemos negar a sentença do filosofo quando disse:
“A História é a mestra da vida”. Essa mestra tem nos ensinado que, desde a mais remota antiguidade, na velha Grécia, Roma antiga, idade média, renascença, até nos tempos modernos, a hidroterapia tem se mantido invulnerável e sua aceitação não sofreu abalo ponderável nessa longa trajetória dos anos. Não obstante centenas, mesmo milhares de métodos terapêuticos ou remédios surgiram e desapareceram do rol das coisas úteis. Somente a terapia pelas águas tem permanecido incólume resistindo às criticas e prestando milenariamente enormes benefícios à humanidade sofredora.
Não bastará essa lição da história para comprovar a utilidade da terapêutica crênica?
Em todas as épocas o homem tem procurado indagar o porque do efeito medicamentoso das águas. Mesmo nos primórdios de seu uso quando só atribuía às divindades o seu poder. “É em torno das fontes que medram os grupos humanos; ela soa o ponto de encontro das primeiras orações e dos melhores deuses”. Assim se exprimia Camille Julian que tinha notavelmente analisado as razoes profundas dos mistérios das águas minerais. A ciência tem evoluído e o espírito de indagação do homem está sempre a procura dos fatos para a explicação dos mistérios que se lhes deparam. Esses mistérios têm sido desvendados no termalismo a passos lentos, mas cada vez mais, as provas experimentais confirmam o que a história e o empirismo ensinavam. Se no Brasil não temos podido acompanhar passo a passo o evoluir da experimentação biológica em crenologia, não podemos olvidar o progresso feito em outros países.
É esse um grande campo aberto de investigações para o qual solicitamos o apoio moral e intelectual de nossos colegas assim como apoio material dos poderes públicos.
A título de curiosidade vou exemplificar com um fato empírico o valor da indagação em crenologia procurando revelar os mistérios de seu valor medicamentoso. Há na história de Caxambu uma ligação tradicional com a antiga família imperial brasileira.
A Princesa Isabel aqui esteve em companhia de seu esposo Conde d’EU em 1868 casados em 1864, quatro anos antes portanto, a princesa não conseguira ainda conceber. Andava ansiosa por um herdeiro e provàvelmente tivera notícias que na França, Margarida de Navarra, Catarina de Médicis, a rainha Hortência e outras princesas da família de Orleans, haviam procurado fazer uso de determinadas águas minerais com a finalidade de conseguirem curar-se da esterilidade de que eram portadoras.
Baseada talvez nesses fatos históricos a Princesa ouvira certamente falar nas curas proporcionadas em Caxambu, cujas águas já vinham obtendo renome desde 1844.
Acrescia naturalmente o temor da Princesa em manter-se estéril pelo fato de que sua irmã D.Leopoldina, casada com o Duque de Saxe, no mesmo ano que ela, já possuía filhos. Que se prenda ou não ao uso das águas o fato é que, após a sua estada em Caxambu, nascia D.Pedro do Grão Pará. A Princesa reconhecida manda construir a Igreja de Santa Isabel, obra que foi anos depois terminada pelo conselheiro Mayrink a pedido da própria Princesa, como já compravamos anteriormente. A Igreja Sta. Isabel aí está e aí está também uma indagação histórica a ser comprovada. Esse acontecimento é do domínio publico e também os médicos de nossa estância desde aquela época até hoje mantém constantes observações em tôrno de casos semelhantes. Dos clínicos atuais de Caxambu, sempre ouvimos revelações neste sentido especialmente dos mais antigos, Dr. Mário Milward e Dr. Francisco Viotti. Têm eles tido oportunidade em sua clínica de verificar que clientes estéreis durante vários anos, desiludidos com outros tratamentos, conseguiram logo após uma ou duas temporadas aqui, a concretização de seus desejos com a vinda de um herdeiro e continuação de uma prole pela qual viviam cheios de esperanças. De minha parte tenho também alguns casos observados quando ao previnir previamente casais com essa esperança, recebi deles, um ano após, a notícia alviçareira do êxito da cura. O que constituía uma hipótese foi verificado na observação clínica. Existirá meios de verificarmos pela experimentação biológica, o porquê dessas curas?
A experimentação nesse sentido já vem sendo feita por crenologos europeus em face também de observação históricas nas estâncias do Velho Mundo de casos idênticos. São quase todos unânimes em aceitar a versão do poder genético de certas águas minerais. Pietro Farnetti, da Universidade de Bolonha diz: “Obtém-se um resultado importantíssimo para regularizar o funcionamento do aparelho genital feminino no período da atividade fecundatoria”.
Billard estudando o poder agocítico e o anagocítico das águas minerais demonstrou que as águas de Pougues e Mont’Doré antecipam o desenvolvimento das folhas em menos de 10 dias e Daupeyroux injetando águas de Chossy Perrierie em cobaias observou que elas se tornavam aptas à fecundação 15 dias antes dos animais testemunhos. Ortal e Gazel, crenólogos franceses, terminam um importante trabalho sobre o assunto com as seguintes palavras: “São satisfatória os efeitos da curas que colhemos anualmente com nossas observações de cura da esterilidade feminina, merecendo nossas estâncias terem o antigo renome de favorecerem a gravidez”, tais como falou o prof. André Charlier no 5º Congresso da Sociedade Francesa de Ginecologia: “Certas águas dão esperanças às mulheres que, infelizes por uma esterilidade prolongada, ficam inconsoláveis e se julgam desonradas à maneira dos mulçumanos para quem, no dizer de A. Lafant: a infecundidade é um opróbrio”.
O prof.Renato de Souza Lopes em seu livro, “Águas Minerais do Brasil” cita especificamente nossa estância com o seguinte período: “Nas águas radioativas ou seja, nas fontes de Caxambu, acresce a influência estimuladora da nutrição celular e sedativa do sistema nervoso, especialmente o simpático, ação estimulante das glândulas endócrinas particularmente testicular e ovariana”.
Chamando a atenção para este aspecto das curas crenoterápicas não ousamos afirmar que elas se processem sistematicamente nem tão pouco procuramos aconselhá-las como específicas da esterilidade.
O nosso propósito é antes de tudo comprovar a necessidade da investigação cientifica nesse terreno a fim de acompanharmos e melhor explicarmos os efeitos terapêuticos das nossas águas minero-medicinais. Quando lembramos de focalizar êsse exemplo tivemos a principal finalidade de estabelecer uma ligação entre os conceitos empíricos aceitos em nossas Estâncias a fim de que estes venham constituir bases para o campo que se abre entre nós em busca da explicação pela biologia experimental de tudo aquilo que a tradição tem admitido como misterioso.
Claro está não iríamos a ponto de indicar ou supor que quando verificamos caso tais como numa mulher, cujas trompas são impermeáveis, possamos torná-las permeáveis com o uso das águas. Todavia porque não considerarmos os casos de infecundidade por causas endócrinas, infecciosas ou toxi-infecciosas, diatesicas ou constitucionais passivas de merecer nossa atenção? Por isso mesmo citaremos outro exemplo que me parece oportuno e que poderá constituir um raio de luz a pretender iluminar o caminho para as pesquisas experimentais em crenologia ou de certo modo coadjuvar a nossa interpretação para o tema focalizado.
Recentemente, Jacques Louvel, crenólogo de Bagnoles de l’Ore, procurou explicar a ação das águas minerais radiativas e sua intervenção no complexo hipófiso – pituitário que seria o centro de radiações, não somente diretas, mas também indireta. Admitiu que essas radiações atingiriam não só o tegumento mas que todos os setores do organismo se encontram por elas influenciadas.
Por sua teoria o organismo daria resposta às excitações crenoterápicas cujo agrupamento significava origem neuro-endórina. Louvel preocupado com sua teoria quis explicá-la responsabilizando a hipófise como ponto de partida das reações provocadas pela ação das águas radioativas. Desejando verificar experimentalmente procurou o prof. Champy, biólogo de fama mundial. De princípio o grande mestre assegurou-lhe que o poder das radiações termais parece ser suficiente para impressionar a hipófise e assim desencadear as reações glandulares observadas. Diz Louvel que um incidente ocasional veio em seu auxílio; é que o prof. Baillard, colaborador de Champy observara com ratos de seu laboratório um fato singular. Um grupo desses ratos sofrera um<poussée>de hiper-genitalismo com perturbações glandulares cuja origem não atinara, até que veio a certificar-se de que essas manifestações originavam-se da presença numa sala vizinha a sua, de um aparelho de radioterapia, cujos raios enfraquecidos pela distância, eram suficientes para ocasionar o fenômeno. Verificou ainda que com a retirada do aparelho radioterápico da sala vizinha as perturbações ocasionadas nos ratos cessavam. Com a atenção voltada para esse fato Baillard fez injeções, em doses fracas de extrato de hipófise, em outro grupo de ratos obtendo resultados idênticos aos colhidos com os ratos expostos às referidas radiações fracas. Orientados ainda pelo prof. Champy que não julgava ilógico que as radiações termais pudessem também agir sobre o complexo hipófico-talâmico durante as curas termais e provocar reações metabólicas ou intervindo mesmo no ciclo ovariano e endócrino geral, fizeram novas experiências:
O tegumento pardacento da rã é salpicado de manchas negras que contrastam com a sua cor. Essas manchas são devidas a presença de células pigmentares que têm a propriedade de se dilatarem sob a ação dos hormônios hipofisários. Essas manchas pretas sob a ação desses hormônios aumentam a ponto de se confluírem em quase toda superfície do tegumento da rã mascarando sua cor pardacenta, tornando seu aspecto quase completamente enegrecido. Com essa base o Dr. Louvel com a cooperação do prof. Benoist tomou 10 rãs e colocou-as em água mineral radioativa. Após 8 dias de espera verificou que o tegumento do animal tornava-se progressivamente enegrecido pela dilatação das manchas pigmentares, fenômeno idêntico ao que fora observado com emprego dos hormônios hipofisários.
Rãs testemunhas mergulhadas em água comum não sofriam nenhuma alteração no mesmo tempo que as postas em água mineral radioativa.
Acredita Louvel que esta experiência seja demonstrativa de uma produção hipofizária de hormônios melano-dilatadores sob a influência das radiações termais.
Esse teste biológico vem fazer talvez luz sobre os mistérios da terapêutica das águas radioativas e intensificar as pesquisas sobre o valor das curas hidrominerais e sua influência sobre o sistema nervoso vegetativo, admitindo reações úteis sobre o sistema neuro-endócrino centralizado pela hipófise.
Admite-se hoje que a hipófise representante na sinfonia da vida um papel semelhante ao de um regente da grande orquestra das glândulas de secreção interna.
Por sua vez a harmonia funcional de todos os órgãos depende em alto grau da regularidade desse concerto endócrino. Deduz-se disso uma capital importância na indicação terapêutica das águas minerais agindo não só pelo seu poder radioativo como também pelo seu complexo hidromineral.
Não seria de se admirar, pois que biologicamente pudéssemos comprovar a influência da crenoterapia como fator de tratamento de diversas doenças. O prof. Souza Lopes em seu livro escreve ainda o seguinte: “Lícito é, pois que se fale das propriedades biológicas das águas minerais” a justificar a concepção defendida há 20 anos pelo brilhante espírito de Fleig, para quem constituem essas águas, verdadeiros “meios vitais”.
“Fundada por Fleig e Billard a hidrologia experimental, na sua faina incessante, não tardou em ter por insuficiente os dados físico-químicos para ajuizar das propriedades biológicas das águas minerais”.
A definição de água mineral segundo o prof.. Farnetti, dizendo que elas são “uma suspensão eletrolítica em meio coloidal” veio a encontrar uma ampliação nos trabalhos do renomado biologista Pech quando estabeleceu a diferença do potencial elétrico existente entre os tecidos vivos e águas que o banham o que chamou de índice de nutrição. Esses estudos curiosos e dignos de menção confirmam por sua vez a definição antiga do crenologo Italiano Piccinini assim escrita “Águas minerais são aquelas que produzem um efeito fisiológico no indivíduo são e um efeito terapêutico no indivíduo doente”.
Parece-nos, pois que o empirismo que ensinou a ação benéfica das águas minerais encontra hoje sua ratificação pela investigação experimental e estamos certos que no futuro, com o desenvolver de melhores estudos iremos conseguir uma vitória condigna de tudo aquilo que através da história a experiência clínica tem observado.
Ventilando um assunto de natureza tão complexa desejei somente exemplificar como é imperioso que comecemos em nosso país uma nova fase nos estudos cronológicos.
Não restando dúvidas sobre a ação terapêutica de nossas águas em outros tantos casos de alteração de saúde, onde possìvelmente encontramos explicações mais fáceis de serem verificadas, porque não procurarmos esse desideratum? Enfermidades do aparelho digestivo, urinário, órgãos hematopoéticos, sistema nervoso etc… assim como várias moléstias da nutrição podem ser tratadas com sucessos pelas águas míneromedicinais;aí estão funcionando com real proveito os banhos carbo-gasosos tão indicados nas doenças do aparelho circulatório.
Embora fundada sob as bases do empirismo, que preparou o caminho para as observações clínicas, a crenologia precisa e deve ser colocada, também entre nós, no rol das ciências exatas. Apoiados na clínica precisamos encarar os problemas físico-patológicos em face do próprio problema crenoterapico. Necessitamos das pesquisas experimentais tanto no homem como naquelas que devem ser realizadas em laboratórios por intermédio dos ratos ou das cobaias e rãs. Os nossos poucos laboratórios que se decidem unicamente a fazer burocraticamente as análises das águas, precisam ser ampliados a fim de que possam interpretar melhor a ação farmacodinâmica das nossas águas minerais.
Para atingirmos essa fase de grandes vitórias para os estudos, crenoterapicos é mister porem uma condição indispensável: a solidariedade de nossa classe médica prestigiando nossas estâncias hidrominerais com o seu saber, com a sua cultura e com o seu patriotismo.

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