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Divisa entre Minas Gerais e São Paulo

A Curiosa mudança do local do Marco de Divisa entre São Paulo e Minas Gerais.

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Autor: Ricardo Carrijo de Vilhena

 A questão bicentenária dos limites territoriais entre Minas Gerais e São Paulo perdurou desde e século XVIII até o século XX, intrigava-nos o fato de o sul de Minas ter a conformação física que possui e desde muito tempo estar mais integrado à influência política e econômica paulista desde os primórdios da colonização.

Através da análise de documentos e fontes cartográficas desse processo histórico, extraímos informações importantes sobre a ocupação, o povoamento e as disputas por esse território. As outroras Capitanias de São Paulo e Minas Gerais, convertidas em Províncias no Império e mais adiante transformadas em Estados – membros da União na República não buscaram uma efetiva solução para o problema, considerando melindroso por envolver regiões importantes. Cada região irá se tornar apta no decorrer dos acontecimentos históricos a manifestar a sua vontade de pertencer a este ou aquele estado já no século XX.

O processo de formação das divisas dos estados de Minas e São Paulo foi delineado a partir da Capitania de São Vicente, com objetivos de escravizar os indígenas do “sertão desconhecido” e a busca por metais e pedras preciosas fez com que a Coroa Portuguesa conquistasse áreas territoriais além da linha divisória do Tratado de Tordesilhas. A centralização política do período colonial e a pouca ocupação do território pelos entrantes lusos não geraram problemas litigiosos, porém com o decorrer do desenvolvimento humano e econômico de certos lugares acentuam-se a demanda a principal reclamação que era a bi-tributação; dois governos cobrando impostos na mesma área.

A Capitania de São Vicente passa a se denominar Capitania de São Paulo em 1698 e a “Villa de São Paulo” já se tornara sede desta em 1683. Contendo 150 léguas de Costa, do Rio Macaé até Laguna; para o oeste o centro-sul do Brasil atual até o Alto Peru (Bolívia) e Paraguai.

A expansão colonial européia (séculos XV e XVI) insere a América Portuguesa como parte integrante do seu “império ultramarino”. Os lusitanos procuravam meios de transformar a sua combalida economia e o Brasil oferecia condições para esse projeto. Interesses definidos como encontrar metais preciosos, produzir produtos tropicais comercializáveis na Europa para promover o desenvolvimento da metrópole portuguesa.

Dentro desse quadro o governo luso estimula a exploração mineral, oferecendo títulos de nobreza, privilégios e honrarias. As precárias condições de vida da sociedade colonial vicentina no final do século XVII, acrescido de um certo isolamento em relação as demais capitanias hereditárias e mais a experiência adquirida com os atritos violentos com os indígenas provocou o fracasso do projeto de agroexportação açucareira obrigando os seus habitantes a buscar novo empreendimento.

Da Capitania de São Paulo e em especial de sua sede partiram as expedições que penetraram e povoaram as áreas de Minas Gerais, o chamado “sertão dos índios cataguases”. Expedições percorreram a “Amantikira” (Serra da Mantiqueira) encontrando as nascentes do “rio Jetycahy” (Rio  Grande). Fernão Dias Paes Leme, bandeirante paulista funda o primeiro arraial das Minas Gerais, a “Ibituruna”, outras expedições como as de Diogo Gonçalves Laço e Francisco Proença, seguindo o rumo dos rios “Araraquara e Mogiguassú” alcançaram o “Sapucahyguacú” e percorrendo o vale do Rio Grande até a sua cabeceira e desta ao lugar chamado “Mhaú” ou “garganta de serra” na Mantiqueira de onde passava o fluxo de viajantes de São Paulo para as “Minas” mais adiante.

À medida em que a atividade mineradora se desenvolve e mais pessoas chegam às “gerais”, a coroa tentava de alguma forma organizar a região, não havia uma noção precisa da dimensão do território, isso fazia com que os paulistas imaginassem que estavam próximos ao Alto Peru, ou melhor, Potosi de onde os espanhóis extraiam grandes quantidades de prata.

A sociedade mineradora do início era formada basicamente por aventureiros, pessoas do sexo masculino, é rara a presença de mulheres, a precariedade, a pobreza e a provisoriedade são marcantes. O ouro de superfície exigia poucos capitais. Segundo alguns registros da época havia a presença de “marginais”, pessoas que vinham de vários lugares e sem recursos disponíveis. Uma sociedade improvisada, desagregada e muito violenta, não existia autoridade nem leis que ordenassem os grupos sociais dessa região. Além do mais os colonos tiveram que expulsar e matar as várias tribos indígenas, primeiros moradores desse sertão.

O estado português respondeu mal às mudanças do século XVII, não se implementou soluções efetivas no local da mineração, somente irá ocorrer uma certa organização administrativa com o decorrer do tempo e isso após distúrbios sociais e essencialmente pelo interesse na eficiência da arrecadação dos tributos. Nesse primeiro momento todas as tentativas de controlar a região vão falhar, pela pouca permanência do poder central e também pela lógica do modelo econômico explorador adotado. Até 1709, a sociedade era auto-organizada e as relações muito instáveis. Na mineração não se levava família, havia todo o tipo de estropiado social, as pessoas pensavam em se enriquecer e voltar para casa em São Paulo, na metrópole ou nas demais capitanias da América Portuguesa. Era uma “atividade de fronteira”, ficando entre a estabilidade e a precariedade até as primeiras décadas do século XVIII.

Os vicentinos e paulistas entraram em choque com os forasteiros, os “emboabas”, pela prospecção do ouro, dissensões que resultaram na “Guerra dos Emboabas” em 1708. Os primeiros exploradores vindos da Capitania de São Paulo achavam-se com direitos maiores às “minas”, porque haviam se tornado seus descobridores. O modo de vida dos forasteiros também gerava ressentimentos em relação aos paulistas, os “emboabas” vinham de fora, de outras regiões que tinham produção econômica superior à São Paulo, tinham condições de vida melhor, isso contrastava com a miséria e precariedade dos paulistas.

Dissensões que poderiam ter ocorrido entre os paulistas, os vicentinos e os do vale do Rio Paraíba do Sul pois tal era o clima de instabilidade nas “minas”. Esses fatores passaram como pretexto para a Coroa criar a ordem, elaborando leis na tentativa de controlar e efetivar a arrecadação fiscal.

Em 23 de novembro de 1709, D. João V criava a “Capitania de São Paulo e Minas de Ouro”, abrangendo os sertões de 9 antigas donatárias que vinha desde o litoral em Laguna (hoje Santa Catarina) até o Maranhão.

E mesmo assim o problema não foi solucionado, havia o receio de um novo levante daquela população insatisfeita principalmente uma revanche dos paulistas. A metrópole buscou mediante alvarás e cartas régias cobrar ordem aquele caos e atendendo as reivindicações dos mineradores elevou à condição de “villa” (município) algumas localidades.

Nossa Senhora do Carmo (Mariana), Vila Rica (Ouro Preto) Nossa Senhora da Conceição do Sabará (Sabará) em 1711 tornam-se “villas”, em 1713 para o sul não havia nenhuma vila, foi criada no “arraial do Rio das Mortes” a “Vila de São João Del Rey”, que nos interessa mais nesse comentário, por estar próxima à contenda litigiosa.

Com o aumento de impostos a partir de 1710 houve um maior controle da produção colonial do ouro  ao mesmo tempo estimulando a corrupção e o contrabando.

 O “quinto” permaneceu por maior tempo como imposto principal.

O ouro era fundido nas “Casas de Fundição” para ser retirada a quinta parte que pertencia ao erário régio. Outras modalidades de impostos foram a “frita”, que em 1713 substituiu o “quinto” e a “taxa de capitação” que vigorou de 1735 a 1751.

O descontentamento da população provocada pela mudança no pagamento desses impostos em 1720 provoca uma revolta em Vila Rica, comandada pelo português Filipe dos Santos reclamando o fechamento das “Casas de Fundição” e o fim do monopólio português no comércio de sal e mais o perdão incondicional dos rebelados. O Conde de Assumar capitão-general da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro prendeu os revoltosos e executou a Filipe dos Santos assumindo poderes de que legalmente não dispunha, pois qualquer medida de execução era poder exclusivo do rei.

O Conde de Assumar apoiado pelo Vice-Rei do Estado do Brasil, Marquês de Angeja requer do Rei D. João V um governo separado de São Paulo e sediado nas “Minas” isso para aumentar o controle social e arrecadatório de impostos na região. Pelo Alvará de 02 de dezembro de 1720 era criada a Capitania de Minas Gerais distinta de São Paulo tendo como limites onde se lê: “determino por limite do sertão, pela parte que confina com o Governo de Minas os mesmos confins que tem a Comarca da Ouvidoria de São Paulo, com a Comarca da Ouvidoria do Rio das Mortes” isto é o sertão ignorado e impreciso (Moraes Filho, 1920, p. 15).

   A instalação da Vila de São João Del Rey desmembrada de Vila Rica em 1713 foi conservado os mesmos limites entre Vila Rica e a Vila de Guaratinguetá (que pertencia a Comarca de São Paulo) e mais a criação da Comarca do Rio das Mortes cuja a sede era São João Del Rey chamava a atenção das autoridades mineiras a “Serra da Mantiqueira” como baliza natural entre as “minas” e São Paulo.

As autoridades da Câmara de Guaratinguetá fincaram um “marco” no Morro do Caxambu que era mais ou menos a metade do caminho entre Guaratinguetá e São João Del Rey, lavraram um “Auto de Posse” em 1714. A Câmara de São João Del Rey mandou arrancar o marco de pedra e levá-lo para o alto da Serra da Mantiqueira conforme havia sido decretado em reunião de 06 de abril de 1714.

Nesta determinou-se que o limite sul da Comarca do Rio das Mortes fosse a Serra da Mantiqueira e a oeste o Sertão desconhecido.

Com a descoberta de ouro à sudeste da estrada que ligava Guaratinguetá a São João Del Rey, a posse por esse território foi disputada pelos dois governos, durando pouco a dominação paulista na região da Campanha até as margens do Sapucay-Guaçú, embora apoiando esse limite da Serra da Mantiqueira até o Rio Sapucay – Gauçu, até o Rio Grande e desse que serviu de limite entre o novo governo de Goyás em 1748 (Provisões de 1747 e 1748). Porém no documento real aparece uma cláusula facultativa “ou por onde nos aprouver”, Gomes Freire governador da Capitania do Rio de Janeiro trocou a divisa não pelos rios mas pelos divisores de água entre as bacias do Rio Grande e Sapucay – Gauçú.

Gomes Freire deu instruções a Thomaz Rubin, ouvidor da Comarca do Rio das Mortes para fazer a demarcação. Este contrariou as instruções de Gomes Freire retirando o marco de pedra da Serra da Mantiqueira para o “Morro do Lopo” próximo a Atibaia.

Em 1748 São Paulo perde a sua autonomia ficando sob a jurisdição de Gomes Freire, assim como nas Capitanias do Rio Grande e Santa Catarina, desmembradas do território paulista, em respectivamente, 1738 e 1740.

Após 17 anos, em 1765 foi reestabelecida a Capitania de São Paulo, sob o governo de D. Luiz Antonio de Souza (Morgado de Mateus) que reclama a questão do “Morro do Caxambu” como ainda aberta.

O governador de Minas D. Luiz Diogo Lobo da Silva comanda uma expedição com mais de trezentos soldados tendo Cláudio Manoel da Costa (futuro inconfidente) como secretário, para coibir o extravio de ouro nas raias da capitania, além de construir “registros” de fiscalizações nos pontos mais importantes para arrecadar os impostos.

Com a situação criada pelos dois governos, o Vice-Rei Conde da Cunha convoca uma comissão que através de longa exposição de motivos era unânime que a divisão seguisse o “Assentamento de 12 de outubro de 1765”, a divisão pela Serra da Mantiqueira e pelo Rio Sapucay – Guaçú até o Rio Grande. O plano da divisão não recebeu a sanção do rei, este temendo a diminuição da arrecadação do ouro para a contribuição das 100 arrobas anuais, não definiu precisamente as divisas. Os sucessores do governador paulista Morgado de Mateus mantiveram a situação tal como se encontrava até que com a descoberta de ouro nos “sertões de Jacuí” e diamantes no vale do Ribeirão das Canoas acirrasse a questão o que ocorrerá no século XIX.

As questões locais reaparecem entre Jacuí e a futura Franca tendo o “Sertão do Aterrado de Dezemboque” (Ibiraci) e região, como pivô central. Sendo explorado por faiscadores e caçadores do índios paulistas e tendo sesmarias ao longo da “picada de Goiás”. Os paulistas exploraram essa região também habitadas pelos “ferozes” índios Caiapós (antropófagos) e pelos negros escravos fugidos das Gerais nos quilombos do Mandú, Zundú, Dumbá, Itapixé, Muzamba, Capetinga, Cascavel e outros, levaram as autoridades mineiras a “limpar” aquele sertão dos seus moradores indesejados, inclusive os “faiscadores” de São Paulo considerados “vagabundos” “vadios” e “bandoleiros”, “pessoas sem lei e sem rei” pelos mineiros. Assim, em 1755 as três Comarcas de Minas, Vila Rica, Rio das Velhas, Rio das Mortes financiaram uma expedição liderada por Pedro Franco Quaresma para efetuar a “limpeza” daquele vale do Ribeirão das Canoas. Por isso Minas Gerais alegava a posse desse território e mais a posse da estrada que ligava Jacuí ao Desemboque (Arraial do Rio das Velhas).

Em 23 de maio de 1903, São Paulo e Minas celebram um convenio, que foi modificado em 1912, mantendo os limites tal qual se encontravam em 15 de novembro de 1889. Alguns autores enumeram que até 1889 houve sete demarcações entre elas em 1720, 1731, 1747, 1764, 1765, 1802 e três “status quo” em 1760, 1798 e 1889, e consideram que “depois de 1765 não houve demarcação alguma que fosse definitiva”.

Outras tentativas ocorreram em 1905, 1917 em um Congresso de Geografia e, 1920 pela ocasião da Conferencia de Limites Interestaduais tendo Epitácio Pessoa, o Presidente da República nesse ano como árbitro a linha Conciliatória que não foi aceita no acordo até que somente em 1936 através das comissões de limites mineira e paulista resolvessem a questão ouvindo os moradores das regiões envolvidas.

Bibliografia

DERBY, Orville. Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 1896.

MORAES Filho, P. e CARDOSO, J. P. Limites entre São Paulo e Minas Gerais. Memória. Rio de Janeiro: IHSS, 1920.

VASCONCELOS, Diogo Pereira de. História Média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 199.

Ricardo Carrijo de Vilhena é graduado em História pela Universidade Estadual Paulista – Unesp – Campus de Franca. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Professor da rede estadual em História, ensino Fundamental e Médio, em Ibiraci MG

 

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