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ÁGUAS DE CAXAMBU

Extraído do livro “Baependi”, de José Alberto Pelúcio.

Primeiros tempos. Aldeia incendiada.
Em busca das águas. Felício Germano de Oliveira Mafra.
Descobrimento.

Não pode ficar em silêncio, na história baependiana, o descobrimento das águas minerais de Caxambu, outrora chamadas de Baependi; a esse acontecimento dedicamos, pois, as linhas seguintes.
Um tanto incertos e obscuros são os relatos dos primeiros tempos de descobrimento; as versões, ao sabor dos narradores, variam. Uns atribuem a revelação da existência das águas a campeiros da fazenda Palmeiras, situada no distrito de Baependi e então pertencente a D. Luiza Francisca de Sampaio, os quais, indo em busca de animais que haviam desaparecido, penetram em um tremedal, coberto de árvores. Aí surpreenderam um manancial em plena efervescência, no qual se dessedentaram, notando o estranho sabor daquelas águas que a mata ocultava, com sombra amiga, à curiosidade humana. Essa versão sofreu, por parte do Dr. H. Monat, em seu livro Caxambu, impugnação, porquanto não achava ele plausível que, em terrenos daquela natureza, se ocultassem animais, levando até ali campeiros à sua procura. Demais, acentuou também, se d. Luiza ali já encontrasse águas minerais, não teria necessidade de procurar as de Lambari, como o fazia, anualmente, para alívio de seus males.
Outra versão, talvez mais aceitável, prende-se à antiga fazenda Caxambu. Carpinteiros daí se internaram na mata em busca de madeira para uma certa obra que pretendiam realizar; a atenção dos mesmo foi atraída por um grande cedro, junto ao qual não se podia chegar com facilidade, devido ao terreno pantanoso onde se erguia. Os carpinteiros removeram a dificuldade, improvisando passadiços de madeira, fazendo por fim, tombar a valiosa árvore.
Verificaram, então, que, das cavidades do solo, abertas pelas raízes deslocadas, surgia, turva, uma água efervescente que, com o tempo, se tornou límpida e pode ser experimentada. Era o líquido mineral.
Foi, em 1806, proprietário da fazenda Caxambu o sargento-mor Joaquim Silveira de Castro Souza Medronho, ligado à família Noronha , com tronco radicado na fazenda Monte Seco, distrito da cidade de Baependi. Elegeu-se deputado à 1ª Legislatura paulista; seu nome aparece entre os que assinaram, em 1814, o auto de instalação da vila de Baependi.
Dizia-se, também, comumente, que o descobrimento das águas de Caxambu ocorreu nesse mesmo citado ano de 1814; infere-se, porém, das recordações de Teixeira Leal, em 1842, que as águas já eram conhecidas em 1762 ou 1772. Maior precisão de dados faz-se mister para inteira elucidação do que haja realmente sucedido nos mais afastados tempos do aparecimento daquelas águas.
Entretanto, para as mesmas corriam quantos buscavam readquirir a saúde perdida; doentes de várias moléstias anteviam a cura de seus males no líquido que ali estava, efervescente, dentro de um poço, de cerca de 12 palmos de boca, rasgado no fim de uma picada.
Notavam-se papudos, loucos, cancerosos, cegos e outros enfermos que depositavam suas esperanças de cura nas águas recém-descobertas, não faltando infelizes portadores do mal de Hansen.
Vida, a princípio, em certa promiscuidade; um rancho apenas, abrigava o sofrimento de todos.
Depois outros ranchos ali foram erguidos, formando-se um acampamento de cerca de 40 palhoças, isso lá pelo ano de 1842.
Nessa data, exercia o cargo de juiz municipal em Baependi o Dr. Aleixo Ferreira Tavares de Carvalho e o juiz de paz o cap. Joaquim de Oliveira Castro. O primeiro, que exerceu influência nos acontecimentos locais da revolução de 1842, determinou ao segundo que intimasse os leprosos a que deixassem o município, no prazo de 8 dias, sob pena de prisão.
Abandonados os casebres, pouco depois, foram os mesmo incendiados por ordem da autoridade. Expurgo arrasador!
O silêncio caiu sobre as águas.
Algum tempo decorrido, apareceu em Baependi o fazendeiro Antônio de Oliveira Arruda, de Barra Mansa, cuja esposa d. Maria Josefa, havia já feito uso das águas de Lambari; sabedor das curas obtidas em Caxambu, quis conhecer a fonte aí aparecida, empreendendo, para isso, com escravos seus, o desbravamento do local, não conseguindo, entretanto, deparar com o poço a que já nos referimos. Seu trabalho, porém, não foi perdido, porquanto outra fonte lá apareceu, beneficiando-se com suas águas a mulher de Arruda. Agradecido, este abriu, entre amigos seus, para melhoramentos do lugar, uma subscrição, aplicando uma parte da quantia obtida e entregando a outra para o mesmo fim, ao negociante João Constantino Pereira Guimarães, que, por sua vez, mais tarde, transferiu o restante (40$000) a Felício Germano de Oliveira Mafra, autor de Breve exposição sobre as águas virtuosas de Baependi, valioso manuscrito, salvo do esquecimento, graças ao citado Dr. H. Monat, que o reproduziu, em anexo, no Caxambu e que ora tanto nos guia nesta narrativa.
A estada do fazendeiro Arruda em Baependi foi no ano de 1843, como se lê em Apontamentos para a historia das Águas de Caxambu, publicação inserta em O Baependiano de 14 de outubro de 1877; os primeiros trabalhos de João Constantino realizaram-se, também, em 1843 e a esse respeito, diz a citada publicação, que o referido Constantino ordenou a roçada do terreno onde estavam as fontes, a abertura de esgotos, mandando, também, ai construir um rancho. Acrescentam os apontamentos da folha local: “Aqueles benefícios feitos por João Constantino deviam durar pouco, porque a vegetação luxuriante desta zona não dá lugar a muito tempo para descanço”.
Felício Germano, de compleição robusta, bigodes raspados, barba à imperial, baixa, militava no foro de Baependi, de cuja municipalidade foi, tempo decorrido, presidente; atirando-se, com decisão, à conquista das águas medicinais, disse, ao iniciar seu relato sobre as mesmas: “Estas agoas outrora denominadas santas ficarão no esquecimento até 1844 em que indagava de sua existência, e posto que a tradição não era muito remota, ninguém dava informações d’autilidade, unicamente se referiam a morpheticos, e queimados tais casebres de palha, e dirigindo-me a procura de vestígios dessa aldeã nada encontrei”.
Sua ação, pertinaz e denodada, em busca das águas minerais, avulta, observada mais perto; conhecia, por experiência própria, em sua saúde, o valor medicinal do tesouro desaparecido nos brejais e em busca do qual, cheio de fé, empenhara sua esclarecida atividade. Agindo no sítio, em cujo âmago, protegido pela mataria, andava oculta a ambicionada fonte que procurava, disse: “mandei abrir picadas diversas com o fito de encontrar algum vestígio do caminho que se dirigia ao poço virtuoso, o resultado foi sem fructo”.
Isso não o desalentou; sondando, com insistência o terreno que se mostrava fechado às suas pesquisas, relatou: “vendo a minha frente uma respeitável montanha que apelidavam – Morro de Caxambu – minhas idéias convergirão para proceder um exame na base inferior, e para melhor conhecimento de qualquer serviço subi ao alto observei toda extensão do varzedo, e voltei no firme propósito de procurar as águas na base da montanha”.
Se um dia algum artista houvesse de cinzelar o vulto de Mafra, homenageando sua memória, não deveria desprezar a inspiração dessa atitude – de pé, num cume de montanha, a mão erguida, em pala, sobre os olhos perscrutando o vargedo extenso.
Dali desceu com um desígnio formado; abandonou as picadas abertas e ordenou que, em setor diverso, outras fossem rasgadas. Mas, aqueles homens resistentes foram, então, barrados em seu avanço; tinham, pela frente, um “grande tremedal impenetrável onde foi introduzindo uma vara de 25 palmos sem encontrar resistência, e quem se animaria a penetrar em semi abismo?”.
Muito vale uma vontade robusta ao serviço de uma idéia nobre; os olhos experimentados de Felício Germano descobriram, evitando o brejal, um bocado de terreno mais alto e aí concentrou ele seus esforços, narrando os acontecimentos daquele dia nestes termos: “ordenei a limpeza, que pouco trabalho dava saindo paus com raízes profundas pela moleza do terreno, e quando extraia o trabalhador um destes com grandes raízes surgirão 3 respiros de agoa no lugar certo das 3 raízes, e não podendo aproximar-me do lugar pela dificuldade do lameiro que atolava fiz logo construir ligeira estiva e por ela cheguei aos respiros em que surgio agoa com grande ebolição, e nunca pensei que fosse a melhor das fontes, como se tornou posteriormente.”
Foram, assim, coroados de feliz êxito os primeiros e ingentes esforços de Felício Germano.
É de imaginar-se o que então se passara em seu espírito, tendo a água à sua frente, em “3 respiros”, afastada, entretanto, de seu descobridor, pelo brejal traiçoeiro! Sua figura varonil, vista há quase um século de distância, projeta-se no cenário histórico daquele dia inesquecível, caminhando, com o coração em alvoroço, tateando sobre a frágil estiva, atraído pelo sonhado manancial, agora a seu alcance! Contou o descobridor, cheio de júbilo: “Sendo mais que feliz na primeira tentativa, mandei alargar o espaço, construir um poço com elevações por travessões de madeira faxinados por fora, até que via com prazer correr límpida esta agoa, que sustento ser um fonte nova, visto que nenhum vestígio se encontrou que denotasse ser o antigo poço, e já livre das censuras de remexedor de brejos anunciei a diversos amigos o êxito feliz de minhas pesquisas que moveu a curiosidade de muitos; a estrada tornasse fervedopus dos que iam e vinham; as famílias se reúnem com sumptuosos janctares, fogos e festins que voltam a completar com bailes na cidade ufana de possuir tão belo tesouro, e demais ufania me apoderara pela descoberta, que seria útil a humanidade”.
Felício, porque prezava sua reputação, já se sentia “livre das censuras de remexedor de brejos”; sarjara o tremedal, abrindo-lhe “um forte esgoto, e por ele corria límpida a fonte e os 3 respiros faziam grande rumor pela continua ebolição da agoa”.
Entretanto, todo aquele trabalho devia desaparecer em breve; pessoas desejosas de afastar das águas alguns fragmentos vegetais que nas mesmas apareciam, entenderam de encascalhar o terreno da fonte, ao que se opunha Felício, receoso de haver pressão nociva sobre as águas. Não obstante, na ausência do descobridor, lá atiraram grande porção de cascalhos “e foi diminuindo o fervor da fonte que sumio-se em fins do ano de 1845”.
Baldados os esforços dos novos obreiros em procura de outra fonte!
Escreveu Mafra: “e todos voltam para mim as esperanças, instam e pedem que procure meios de restabelecer a primeira fonte; isto era impossível, mais fazendo extrair parte do cascalho, vi que tudo era baldado, a fonte estava perdida e para sempre sumida num tremedal profundo”.
Sirva isso de aviso à administração de Caxambu para que evite construções pesadas nas zonas vitais das fontes.
Dos novos esforços resultou “respiro”, “de menor fervor que foi substituído a fonte desaparecida”.
Dois trabalhos necessários, entretanto, ali desafiavam a atividade de Mafra: – a abertura de uma grande vala que fosse ao córrego e o rebaixamento deste. Vejamos como deles se saiu.
O primeiro empreendimento abria-lhe a esperança de encontrar novas fontes, mas não era facilmente realizável. Sem recursos para se atira a semelhante empresa, dirigiu-se à Câmara Municipal, que, depois de hesitações, lhe aprovou os planos e aceitou sua oferta de administrador gratuito. Pagaria ela o dispêndio, mediante contas apresentadas; o trabalhador, porém, necessitava do recebimento pronto de seus salários. Felício solucionou a dificuldade, arranjou cozinha para os operários, promoveu pequena subscrição para que se construísse um abrigo para os mesmos e, em 1846, lançou-se corajosamente ao trabalho. Dizia ele a propósito: “os trabalhadores lutavam por todo dia com lameiro de mal cheiro, o que obrigava a dar-lhes aguardente por vezes, para reanima-los, visto que chegava o lameiro até a cintura, e o que se extraia em gamellas outros recebiam de fora, mas voltava tudo no estado primitivo, que obrigou a ter madeira pronta para lançar no fundo da vala, e nela se firmavam os trabalhadores.
Afinal, chegaram ao córrego, mas este, com a força de suas águas, inundou parte da vala, tão penosamente aberta!
Dava para desanimar! Felício, porém, não era homem que se entibiasse; comandou a luta contra o lameiro e a água, aparelhados seus homens com barris e gamelas, desobstruiu a vala, resguardando o trabalho feito. Ele, entretanto, nos contou: “a vala em 1846 se desmoronava em alguns lugares, a estiva abatida de novo amolecia o terreno e dezemparedava a valla; não podendo ver tais estragos fui repara-los pedindo adjutorio de serviços, para os quais forçoso é confessar que muito concorreo o atual Presidente da Câmara prestando-me escravos, e adjutorio de quantias de Dr.o e pela m.a parte carreguei contudo mais, como é publico e notório em todo Baependi.”
Por muito tempo andou no desembolso do que despendera com a abertura da vala. Isso não arrefeceu seu ardor.
Em mister que se fizesse o rebaixamento do córrego, para conservação da vala e dos “respiros” que na mesma apareciam.
Ei-lo, novamente, às voltas com a Câmara; ofereceu-se para dirigir gratuitamente os serviços, propondo-se receber depois o que fosse gasto; aceito o alvitre, Felício iniciou o rebaixamento do córrego na barra do ribeirão João Pedro e subiu até à estrada do Tabuão.
Muitos obstáculos lhe apareceram; quem quiser conhecê-los leia a narrativa que dos mesmos fez.
Quando se realizavam escavações para um aterro, surgiu um fraco veio de água mineral, que não foi beneficiado; três outros apareceram, também, não beneficiados por dependerem de mudança do córrego. O rebaixamento deste chegara à vala. Dizia Felício Germano: “gr.de foi meo contentam.to vendo terminada a tarefa que a mim próprio havia imposto, e quando em frente da m.a valla anunciou um trabalhador do lado esquerdo = aqui tem agoa, outro acima repetio a mesma expressão, parecia-me isto incrível ms disse comigo, se tal acontece é um prodígio que vem a coroar meus esforços, e logo se tornou em realidade por que ordenado a limpeza do terreno, quando ambos ferem com enxadas o lugar, aparecem 2 fortes respiros, de águas gasosas férreas, muito cristalinas, quando caiam no leito do córrego; meu contentamento foi extremo, e dei ferias aos trabalhadores porque quando a obra principal estava concluída e meus desejos realizados ms convideios para virem no seguinte dia extremar o córrego das fontes que auctorio-se com algum prazer.”
Acrescentou: “Defacto separou-se o córrego pela pressão de forte estacada e aterro, alargando as margens de outro lado, e depois de concluir ali o serviço foram os trabalhadores servidos do jantar, inaugurando eles proprios as fontes com 2 pequenos bicos em cujo acto se lançaram muitos foguetes, e no fim desta festa campestre chegarão no rancho muitos cavalheiros desconhecidos, dirigindo-se as fontes novas tomarão água: era o Conselheiro Honorio Hermetto Carneiro Leão em companhia do Comendador Venancio José Gomes da Costa e outros que vinham experimentar as águas, e depois de alguma demora se ausentarão afazda dos Campos onde estava alojado o mesmo Conselheiro que por 13 dias usou das águas com grande vantagem, e era hospedado diariamente no rancho e sem a menor cerimonia”.
Segundo o dr. H. Monat, as fontes descobertas por Felicio Germano são as designadas pelos nomes – d. Pedro. D. Leopoldina e d. Isabel.
Conta O Baepenyano, nos já citados Apontamentos para a história das Águas de Caxambu: “Enquanto os jornaleiros roçavam as beiras do córrego, o Sr. Mafra margeava-o pela parte esquerda, subindo sempre, até que parou aterrado por uns roncos que ouvio a poucos passos de distancia; persuadido que fosse algum animal bravio, grita pelos trabalhadores, os quais, armados de fouces correm ao lugar e em vez de uma fera encontrão um manancial de saúde para a humanidade; era essa riquíssima fonte de águas férreas, hoje chrismada com o nome de nossa adorável Princesa Izabel, que, livre do peso das águas do córrego, dava sinais de sua existência, e parecia então dizer aos jornaleiros armados: destes-me vida, não me mateis pois agora, beneficiai-me antes, que será tudo em proveito vosso.”
Os serviços de José Nogueira de Sá, João Constantino Pereira Guimarães, Antônio Teixeira Leal, Dr. Manoel Joaquim Pereira de Magalhães, velhos benfeitores de Caxambu, assim como os de outras pessoas que, depois, lá surgiram, devem constituir estudos referentes à história caxambuense, propriamente dita. Aqui, esboçamos, apenas, fatos pertinentes aos descobrimento e rendemos, ao findar este relato, nossas homenagens aos que labutaram. Com tamanho denodo, sem alardes, pela conquista dessas admiráveis fontes de saúde e riqueza que são as águas minerais de Caxambu.

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