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A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA COPA DE 54

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Muita coisa mudou no futebol brasileiro depois da Copa de 1950. Na realidade, desde daquele amargo dia 16 de julho, a palavra de ordem era mudar, mudar tudo. Era uma obsessão tão grande que, o que se fez de certo em 1950, teria de ser diferente em 1954. Era uma reação natural, embora, muitas vezes, exagerada. Até a tradicional, bonita e sóbria camisa branca e azul, seria substituída pela camisas amarelas que permanecessem até hoje. Os dirigentes da CBD declaravam abertamente para todos: “Temos que mudar tudo. Vamos começar do zero”.

O tudo começou com a queda de Flavio Costa, treinador da seleção brasileira desde 1945. Zézé Moreira seria seu substituto. O novo técnico tinha muita coisa parecida com o antecessor. Zézé Moreira também foi um jogador medíocre. Com treinador era austero, disciplinador, exigia poderes absolutos quando dirigia seu time e trabalhava na base da honestidade e da franqueza. No plano tático, havia diferenças, mas algumas semelhanças. Tanto a diagonal de Flávio como a marcação por zona de Zézé não passavam de variações brasileiras do WM, segundo as conveniências de cada um. Entretanto, havia uma diferença significativa. Flávio Costa perdeu a Copa do Mundo de 1950. Zézé Moreira, que foi indicado treinador da seleção em 1952, ganhou o campeonato pan-americano realizado no Chile naquele mesmo ano. Era o primeiro titulo conquistado pela seleção brasileira no exterior.

Os preparativos para o Mundial de 1954 começaram com muita antecedência. Pela primeira vez na sua história, o Brasil teria que participar das eliminatórias. Chile e Paraguai seriam os nossos adversários. Foram quatro jogos e quatro vitórias. Tudo poderia ter sido tranqüilo não fosse o tumultuado jogo em Assunção. A seleção foi recebida a pedradas e a garrafadas. O goleiro Veludo foi uma das vitimas. Mesmo assim, o Brasil venceu por 1×0. No maracanã, o zagueiro Gerson revidou com um pontapé no atacante paraguaio Romerito que terminou no Hospital. A seleção de 1954 queria mostrar um machismo que crescia mais e mais, até explodir na própria Copa no final do jogo com a Hungria. Todos comentavam que o Brasil se acovardou no dia 16 de julho de 1950. Ademar Pimenta, técnico do Brasil na Copa de 1938, e comentarista de rádio, não se cansava de dizer que faltou raça ao time brasileiro no jogo contra os uruguaios.

Antes de embarcarem para a Suíça, alguns integrantes da delegação brasileira foram ao Palácio do Catete para se despedir do presidente Getulio Vargas, que dirigiu aos jogadores um breve discurso – “E não esqueçam que representarão lá fora a habilidade, a força e a resistência de uma raça. Ser vencerem, o Brasil será o vitorioso. Se perderem, quem perderá será o Brasil”. No dia 22 de maio, em avião da Panair, o Brasil viajou com uma numerosíssima delegação. Além de vinte dois jogadores, um técnico, um médico, um massagista, um roupeiro e um cozinheiro, a CBD se deu ao luxo de levar um presidente de honra e sua secretaria, o chefe da delegação e sua secretaria, dois delegados, dois assessores, dois convidados de honra, um jornalista e, até o representante da revista da CBD.

Finalmente, no dia 16 de junho, o Brasil faria sua estréia contra o México, o mesmo adversário inicial da Copa de 1950. Zézé Moreira não tinha o menor receio. A seleção brasileira era muito boa. Uma nova geração de craques. Alguns haviam participado no mundial anterior: Castilho. Nilton Santos. Bauer. Baltazar e Rodrigues. E foi eles que venceram os mexicanos por 5×0, em jogo realizado na cidade de Genebra. Foi um estreia tranqüila e cheia de esperança para o futuro.

O segundo jogo foi contra a bem treinada seleção da Iugoslávia. O 1×1 no tempo regulamentar e na prorrogação, parecia um péssimo resultado para o Brasil. O sistema de disputa da Copa do Mundo de 1954 era bem diferente da de 1950. Os dezesseis países foram distribuídos em quatro grupos de quatro. Dentro do seu grupo, cada país enfrentaria apenas outros dois, contando-se os pontos ganhos. Passaria para a próxima fase os dois primeiros de cada grupo. Assim, Brasil e Iugoslávia, que havia vencido México e França nos jogos de estréia, necessitavam de apenas um empate para se classificarem. O chefe da delegação brasileira era João Lira Filho, que se dizia uma autoridade em leis esportivas. Naquela Copa, ele simplesmente não conhecia o regulamento da competição. Os brasileiros, pensando que o empate não lhe servia, lutaram nervosa e desesperadamente por uma vitória desnecessária. Os jogadores da Iugoslávia faziam gestos para os brasileiros tentando alertar que o resultado classificado os dois países. Como ninguém entendia o que eles queriam dizer, continuamos correndo, alucinados em busca de um segundo gol. O resultado de 1×1 permaneceu até o final da prorrogação.

Nos vestiários, o chefe da delegação e o técnico Zézé Moreira, lamentavam ter que jogar uma partida desempate contra a Iugoslávia, quando alguém veio com a notícia de que os dois países estavam nas quartas de final. México e França havia sido eliminados. A grande sensação desta fase, foi a equipe da Hungria que disparou duas goleadas em seus jogos: 9×0 na Coréia do Sul e 8×3 na Alemanha. Na tarde do dia 24 de junho, enquanto o técnico e os dirigentes iam assistir ao sorteio que indicaria o adversário do Brasil nas quartas de final, os jogadores permaneceram concentrados em Macolim. Já então dois sentimentos haviam se apoderado dos atletas, ambos incutidos pelo comando da seleção: o do machismo patriótico e o do medo. Os dirigentes insistiam em fazer da Copa do Mundo uma espécie de prova à brasileira dos nossos craques. Na concentração, todos os dias, se hasteava a bandeira do Brasil e cantavam o Hino Nacional. Antes de entrar em campo, Luis Vinhaes, administrador da delegação, segurava a bandeira nacional para que os jogadores a beijassem.

O sentimento de medo vinha daquele sorteio. Nossos próprios dirigentes falavam maravilhas da seleção húngara para os jogadores. E se o sorteio indicasse a Hungria para enfrentar o Brasil ? E se o Brasil tivesse que enfrentar o super time de Puskas ? E se o Brasil perdesse, qual seria a reação dos milhões de brasileiros ? Tudo isso passava pela cabeça dos nossos jogadores, quando Zézé Moreira chegou a concentração, pálido e fisionomia preocupada, e em tom quase trágico anunciou: “Vamos jogar contra a Hungria”. No dia 27, brasileiros e húngaros, se enfrentaram no estádio Wankdorf, em Berna, pela quartas de final. O Brasil marcara seis gols em seus dois jogos. A Hungria havia marcado dezessete gols nas duas partidas. João Lira Filho, Luis Vinhaes e Zézé Moreira tentaram transmitir coragem e confiança aos atletas. Outros membros da delegação
faziam o mesmo. O locutor Geraldo José de Almeida, em um dos muitos discursos que os jogadores tiveram de ouvir antes do jogo, disse cheio de emoção: “Craques do Brasil, vamos vingar hoje nossos mortos de Pistóia”.

Os húngaros que não tinham nada a ver com aquilo, entraram em campo tranqüilos para enfrentarem os brasileiros com os nervos arrasados. E venceram por 4×2. Muitos jornalistas “patriotas” acusam o arbitro Mister Ellis, de beneficiar os húngaros. Mário Vianna, esquecendo-se de que era mesmo um dos juizes a serviço da FIFA, foi bem mais longe. Ao microfone de uma emissora de rádio, chamou toda Comissão de Arbitragem de “Camarilha de ladrões”. E atingiu também o juiz inglês: “Além de ladrão é comunista”. Logo depois, a FIFA expulsaria Mário Vianna de seu quadro de arbitro. Mas, muita gente pensava diferente de alguns brasileiros. A imprensa, de uma maneira geral, reconhecia a vitória húngara e lamentava que as duas equipes tivessem perdido a cabeça no segundo tempo, quando Nilton Santos e Boszik foram expulsos depois de trocarem pontapés e Humberto, também expulso, depois de chutar, sem bola, o húngaro Buzansky. Quando terminou o jogo, a confusão foi maior ainda. Maurinho cuspiu no rosto de Latos. Paulo Buarque derrubou com uma rasteira um guarda suíço. Pinheiro foi atingido na cabeça com uma garrafa e o Zézé Moreira agrediu com uma chuteira o ministro dos esportes da Hungria.

Enquanto os brasileiros, com seu machismo, seus desajustados impulsos patrióticos, seu culto a bandeira nacional, encerravam ali, melancolicamente, sua participação na Copa do Mundo de 1954, Uruguai, Alemanha e Áustria, se juntaria a Hungria na semi final do mundial.

 

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